INSTITUTO JOHN GRAZ
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Data: 04/11/2016 - Local:
Móvel Moderno no Brasil de Maria Cecilia Loschiavo dos Santos. Editora Edusp. São Paulo, 1995.
A geração dos pioneiros p.39-43
“Os primeiros artistas e arquitetos que, de fato, lançaram as bases do estilo moderno de mobília no Brasil foram: John Graz, Cassio M’Boi, Gregori Warchavchik, Lasar Segall, Theodor Heuberger. À primeira vista pode parecer estranho que as origens da modernização do móvel brasileiro dependeram da atuação de profissionais estrangeiros, mas, na prática, o movimento moderno era isento de nacionalismo e apresentou caráter internacional.
A transição do móvel de estilo eclético e acadêmico para o móvel moderno deu-se a partir dos anos 20-30. Nesse primeiro momento, os conceitos e as posturas tiveram um caráter preponderantemente internacionalizante. As novas concepções acerca do móvel transformaram-se em senso comum num meio restrito de alguns profissionais da área de arquitetura e decoração.
O móvel brasileiro produzido nesse período foi inovador pela introdução de novas concepções, utilização de materiais e processos produtivos, porém ele acompanhou tal e qual a evolução normal do mobiliário europeu, sem criar um vocabulário próprio, repetindo muito da linguagem Art-Déco. Foi uma produção elaborada para disseminar o espírito da modernidade. Mas, na verdade, tratava-se de um desenho padronizado. Os modelos eram repetidos e abusados em nome dos novos princípios. A importância maior dessa fase residiu em seu caráter revolucionário, cuja principal consequência foi o despertar da inércia acadêmica.
De qualquer forma, essa fase de intensa ebulição, ainda que num plano muito restrito e elitista, propiciou a revisão de posições. Dentro desse contexto re revisionismo, o próprio conceito de estético foi dessacralizado e passou a penetrar na esfera do cotidiano e dos anônimos objetos de uso, ou seja, “(…) a arte é para ser utilizada e não olhada; é, em outros termos, uma função da sociedade. (…) Não interessa que as máquinas se multipliquem e ofereçam à produção uma ampla gama de variações: o standard poderá ser repetido ao infinito, porque o objeto produzido não serve para ser contemplado estaticamente, mas para ser usado”.
É inegável que o mérito pela realização desse movimento em prol das novas ideias coube a toda aquela geração. Entretanto, houve um nome que serviu de traço de união entre o estilo acadêmico e a modernidade: John Graz (1891-1980). Embora nascido na Suíça, o nome de Graz ficou indissoluvelmente ligado à pintura, ao desenho industrial e às artes gráficas brasileiras e, como tal, ele foi considerado um de seus grandes expoentes, participante dos principais momentos da modernização de nossa cultura, inclusive da Semana de 22. No conjunto de sua obra ressalta uma interpretação muito peculiar do Brasil.
(…)
O casal Graz-Gomide realizou uma produção que sintetizou as principais tendências da vanguarda europeia com o Art-Déco, estabelecendo uma ligação fundamental entre pintura, arquitetura e artes aplicadas, traduzindo para o plano do ambiente a estética do cubismo, fato que Graz reconheceu ao afirmar: “(…) eu introduzi no Brasil esses móveis cubísticos, com o metal e diversos materiais nobres”.
O reconhecimento da obra do casal Graz-Gomide está explicitamente comprovado pelas inúmeras encomendas que recebeu para projetar, o que se poderia chamar de arquitetura de interiores, de vários edifícios paulistas, entre os quais as residências de José de Castro, Jeremia e Branca Lunardelli, Jane Gama Cerqueira, Roberto Simonsen, Rafael Noschese, Godoy Moreira, Caio Prado, família Jafet, Cunha Bueno, Celso Figueiredo, Carvalho da Fonseca, Ferrabino Borges Figueiredo, Sergio Scuracchio, Franco Zampari.
Tendo absorvido as principais tendências estilísticas da vanguarda europeia, onde frequentou a Escola de Artes Decorativas de Genebra, Regina Gomide voltou da Europa e passou a plicar no campo da decoração muito do novo vocabulário formal lá vigente, tendo sido precursora na renovação de interiores, a partir dos princípios cubistas. Assim, dedicou-se ao artesanato de tapeçarias, utilizando-se de vários tipos de veludos e dois de metal. Em 1930 colaborou na decoração da Casa Modernista de Warchavchik. O êxito comercial de sua produção foi grande, levando-a a organizar uma fábrica de tapetes e tapeçarias, além da implantação de um curso de decoração, por volta de 1950.
John Graz não foi só pioneiro no desenho de mobília, mas também foi o primeiro a pôr em prática no Brasil o conceito de design total, tão presente nos ideais de Bauhaus. Dessa forma, Graz projetou o móvel, previu sua distribuição no espaço, as luminárias, painéis, vitrais e afrescos. Infelizmente, o legado de tão significativa produção não foi preservado, pois as residências foram demolidas. Entretanto, ainda podemos contemplar em São Paulo os vitrais do Portal do Parque da Água Branca, projeto de Graz do ano de 1928, executado pela firma Conrado Sorgenicht.
Na área de mobília, Graz desenhava os móveis com plantas e perspectivas e detalhava em tamanho natural para facilitar a reprodução em oficinas de terceiros. A produção era acompanhada de perto por ele: “(…) no momento da execução eu ia lá para verificar se as proporções que eu queria dar estavam corretas, e, muitas vezes, eu mandava cortar o móvel e recomeçar (…). Eu tinha que conversar com o mestre, com os operários, para, naturalmente, poder executar de acordo com as minhas plantas, de acordo com os detalhes que eu fornecia”.
A produção dos móveis em oficinas trouxe problemas, pois, desde aquela época, a polêmica sobre direitos autorais importunava os designers: “(…) os marceneiros aproveitavam os meus desenhos e foram executando fora; não havia lei sobre a originalidade do desenho. É a mesma coisa em literatura, em pintura, em tudo é a mesma coisa”.
No início das atividades, Graz encontrou restrições ao consumo de seus móveis. Ele se referiu àquela época como a Belle Époque e se considerou o introdutor das formas cubísticas, simplificadas e de novos materiais. Segundo ele, isso foi possível porque: “(…) já estava na cabeça da época essa simplificação. Já estava, especialmente na arquitetura; aliás, as primeiras casas ‘cubísticas’ foram as de Warchavchik”.
Os desenhos de Graz para móveis refletiram de fato certa purificação nas formas, aquilo que ele chama de “móveis futuristas”, mas, ao mesmo tempo, apresentaram aspectos pesados que o filiaram ao mobiliário Art-Déco. Foi uma produção executada artesanalmente, sob encomenda, exclusiva para uma elite privilegiada e até mesmo com materiais importados: chapas de cobre, metal, couro e até madeira. Entretanto, o resultado final, em relação à arquitetura e às luminárias, já indicava, nitidamente, uma nova direção para a modernização do interior.
Sua produção abrangeu o período de 1925 a 1940. Depois de ter dado uma grande contribuição ao setor das artes decorativas e ao desenho industrial, Graz abandonou-os e voltou à pintura, atividade que sempre desejou desenvolver. Entretanto, num meio artístico de certa forma acanhado não era possível comercializar a própria arte para sobreviver. Foi esse o motivo que o encaminhou ao desenho de móveis: “Quando eu cheguei, era para continuar a minha pintura; mas, aqui, a pintura era atrasadíssima, ninguém se interessava. Então eu tive que descobrir um ofício que me desse alguma coisa para comer”.
Assim, os anos 20 representaram uma época básica na história do móvel brasileiro, acarretando algumas consequências importantes para o desenvolvimento e produção de móveis, situando-se entre um passado acadêmico e as novas possibilidades que se abriram com a modernização”. p.43