Vista lateral da Casa (foto: autoria desconhecida)
O contexto da chegada de Gregori Warchavchik
O arquiteto de origem ucraniana, Gregori Warchavchik, chegou ao Brasil com 26 anos em 1923, depois de ter estagiado em Roma, no escritório de Marcello Piacentini. Ele escolheu tentar a vida em um país, naquela época, distante e exótico. No entanto, em 1925 ele conseguiu espaço para publicar um artigo, ou melhor, um manifesto chamado “Acerca da Arquitetura Moderna”. De acordo com o texto, o propósito da arquitetura moderna era “construir uma casa a mais barata possível, eis o que deve preocupar o arquiteto construtor da nossa época de pequeno capitalismo, onde a questão da economia predomina sobre todas as demais”.
Aqui encontrou um terreno fértil para introduzir suas ideias acerca da arquitetura moderna, já que um ano antes de sua chegada tinha ocorrido a Semana de Arte Moderna de 1922, evento que balançou os alicerces da arte e cultura nacional. Toda a discussão que seguiu depois desse marco, para o bem e para o mal, estava latente na sociedade. Warchavchik projetou oito anos depois sua segunda Casa Modernista em São Paulo, dessa vez no bairro do Pacaembu, na Rua Itápolis. Diferente de sua primeira construção, na Rua Santa Cruz, Vila Mariana, onde residiu com sua esposa, esse projeto que teria uma exposição na inauguração era mais sólido em seus propósitos.
Inaugurada em 26 de março de 1930 com um grande evento denominado “Exposição de Uma Casa Modernista”, que se prolongou por 20 dias, a mostra atraiu cerca de 20 mil pessoas e apresentou um conjunto articulado de arquitetura e decoração de interior, o que permitiu entrever a proposta do seu autor de integrar arte, arquitetura e design na criação de um mesmo ambiente. Para a execução do projeto, Warchavchik montou oficinas que fabricavam, com base em seus desenhos, todo o mobiliário, caracterizado por linhas puras e funcionais, condizentes com a concepção da casa.
Casa Modernista da Rua Itápolis por outro ângulo (foto: autoria desconhecida)
Exposição de uma Casa Modernista
A Casa Modernista da Rua Itápolis, como ficou conhecida, é um projeto de concreto armado de traços retilíneos. É fácil imaginar o espanto que o projeto deve ter causado em uma cidade que na década de 1930 ainda tinha características rurais. Aquela casa proporcionou tanto estranhamento quanto fascínio, do mesmo modo que a Semana de Arte alguns anos antes. Warchavchik foi acolhido pelos intelectuais e artistas do movimento moderno pela afinidade de suas ideias, mas também pelo seu casamento com Mina Klabin, filha de grande industrial e parte da burguesia paulistana.
Além do projeto arquitetônico e do design de interiores, os jardins foram pensados por sua mulher, utilizando plantas brasileiras. Toda decoração interna foi planejada e dialogava com os outros objetos e obras apresentadas, como quadros de Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, do suíço John Graz, além de esculturas de Victor Brecheret. Segundo depoimento do arquiteto José Armênio de Brito Cruz, do escritório Piratininga, em matéria da Revista da Folha: “Havia uma profunda ligação entre essa proposta de arquitetura e de arte que se fazia na época. Eles formavam uma grande turma de amigos”.
Interior da Casa Modernista com quadro de Tarsila do Amaral (foto: autoria desconhecia)
Arquitetura, design e artes plásticas
John Graz e Gregori Warchavchik, ambos estrangeiros, foram os precursores do design de interiores no Brasil. Projetaram móveis, bibliotecas, luminárias, além de murais e afrescos, no caso de Graz, de acordo com as pretensões daqueles que os contratavam, mas sem abrir mão de suas próprias características. Após a Semana de Arte Moderna de 22, John Graz passou a trabalhar com decoração e design de interiores das residências paulistanas, assinando projetos para as famílias Jafet, Simonsen, Prado, Matarazzo, dentre outras. Seus trabalhos eram muito requisitados pelas tradicionais famílias de São Paulo.
A versatilidade técnica do artista suíço radicado no Brasil proporcionou uma possibilidade de se viver em um país que não havia incentivo aos artistas plásticos que aqui residiam. John Graz afirmou em uma entrevista para a TV Cultura sobre a Semana de 22: “Esse movimento foi muito válido, por que depois se formaram grupos de artistas. Não se considerava a arte brasileira, a grande burguesia ia a Paris comprar quadros medalhados. De resto, o artista não tinha valor nenhum aqui, morria de fome. Eu ia voltar para a Europa, eu não encontrava força para meu trabalho e minha ideia era de voltar. Com a Semana de Arte Moderna, eu fiquei”.
A despeito de toda controvérsia estabelecida em relação à pretensão da arquitetura moderna de racionalizar e produzir industrialmente, do mesmo modo o design de interiores moderno, o projeto de Warchavchik na Rua Itápolis conseguiu reunir curiosos, admiradores, artistas e autoridades ao sintetizar em um mesmo espaço vários elementos que conversavam entre si. Por fim, pesquisadores da FAU/USP descobriram um registro, produzido pela Rossi Filmes, que captou momentos da inauguração da Casa, chamado “Architectura modernista em S. Paulo”, por meio do qual é possível entender um pouco o que se passou naquele momento. Assista o vídeo abaixo.