Na sala havia uma parede divisória de madeira com uma emenda no meio. Durante o verão, o calor estufava a emenda e ela abria como uma ferida.
Arquitetos amigos que me visitavam sugeriam vários remendos que nunca funcionaram: bandagens de gaze, várias camadas de pintura etc.
Nessa mesma época, comecei a comprar móveis de design brasileiro dos anos 1950. Já era feliz proprietária de uma cadeira/trono de Lina Bo Bardi, mas queria muito mais. Eu sabia que John Graz teria circulado muito pelo prédio, e era amigo de vários condôminos. Teria deixado algum rastro?
Fui então à caça de obras ou móveis dele que poderiam estar no prédio. Nada consegui. Ou não estavam à venda, ou a procedência era discutível.
Comprei vários Tenreiros, Zaninis e Sergio Rodrigues em feirinhas e de particulares, mas nunca um Graz.
O tempo passou, os móveis já não cabiam no apartamento e então resolvi trocá-lo por um maior. Ao entregar a chave, disse à nova proprietária: “Sou muito distraída, perco tudo, se você encontrar algum ouro esquecido nas gavetas me avise, por favor”.
Alguns dias depois ela me telefonou dizendo: “Venha ver o ouro que você esqueceu!”.
Quando abri a porta, olhei estarrecida na direção onde ficava a parede de madeira que tanto me incomodava. Ali estava, deslumbrante, um enorme afresco de uma floresta, que ocupava toda a sua extensão; embaixo, do lado direito, uma assinatura. Abaixei-me e li: John Graz.
O único Graz que me pertenceu esteve comigo, escondido atrás da parede de madeira, por 13 anos, e eu o vi somente por meia hora.
P.S.: Ouvi dizer que, no prédio, existe outro painel escondido.
LUISA MALZONI STRINA, 71, é galerista em São Paulo há 40 anos. Até 14/2, a galeria Luisa Strina expõe “Eu Represento os Artistas, Revisited”, que reconta sua história.