INSTITUTO JOHN GRAZ
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Data: 09/04/2025 - Local:
Instituto de Estudos Brasileiros passa a abrigar obras, documentos e livros do suíço que participou da Semana de 22 e se destacou como arquiteto de interiores
O título do documentário dedicado ao artista não é apenas elogioso. Ele indica a maneira como o trabalho de Graz pode ser compreendido dentro da tradição da arte ocidental. A partir do conceito de arte total, pensa-se a arte integrada à vida e ao cotidiano das pessoas, e não apenas restrita às galerias, museus e outros espaços de contemplação. A ideia é romper com a separação entre vida e arte, fazendo a experiência estética estar presente no dia a dia. Dessa maneira, prédios públicos, mobiliários domésticos ou profissionais, itens de decoração e até mesmo roupas são pensados levando em conta uma concepção artística.
No caso de Graz, é o que poderia ser visto em seus trabalhos de arquitetura de interiores. Sofás, poltronas, maçanetas, luminárias, camas, portas e estantes integram-se às pinturas, esculturas, afrescos, vitrais e tapeçarias elaborados por Graz e seus colaboradores – como Regina Gomide, sua esposa. O resultado preenche o ambiente doméstico da elite paulistana da primeira metade do século 20 com elementos artísticos de variados suportes, que estabelecem diálogos entre si.
“Do meu ponto de vista, essa vertente é até mais radical, em uma perspectiva de Modernismo e modernidade”, defende a professora. “Os partidários da arte total achavam que a experiência estética moderna deve estar na vida das pessoas. É a ideia de que você estaria andando na rua e tendo uma experiência estética nas próprias entradas de metrô, nos cartazes, no mobiliário urbano, no mobiliário das casas.”
Esse campo ao qual Graz se filia apostou na modernização das linguagens práticas e utilitárias, procurando, por exemplo, adequar as casas das pessoas aos novos ritmos e exigências da vida moderna, como funcionalidade, higiene e limpeza. Um dos resultados foi a criação de mobiliários mais leves e fáceis de serem transportados, desenhados para espaços mais abertos. “Os artistas investem na dimensão do útil a partir de um primado estético pautado pelo Modernismo”, salienta Ana Paula.
Tal avaliação, que confere importância ao trabalho de John Graz como arquiteto de interiores, é relativamente recente, indica a pesquisadora. Até o começo dos anos 2000, a crítica preferia destacar a atuação do artista como pintor. Não só porque Graz foi um dos participantes da Semana de Arte Moderna de 1922, com quadros considerados à época inovadores, mas também porque o próprio artista, ao fazer um balanço de sua carreira, valorizava mais seus trabalhos como pintor do que a decoração.
A revalorização dos projetos de arquitetura de Graz não significa, por outro lado, que suas pinturas sejam desprovidas de interesse. Com uma produção que atravessou sete décadas, absorvendo e interpretando influências variadas, o artista apresenta certas recorrências e predileções que chamam a atenção. Como o interesse por uma antiguidade mítica e idealizada, já presente nas telas pintadas na Europa e que no Brasil se traduziria na atenção à figura do indígena, à fauna e à flora tropicais.
Em anos mais avançados da carreira, Graz passaria a registrar cenas de festas populares, como o Carnaval, e também pintaria trabalhadores, vendedores de rua, jangadeiros e outros tipos presentes em mercados, feiras e ruas de um Brasil alegre e colorido. Mesmo tendo feito experiências com o abstracionismo, a simples mirada para o conjunto revela que foi na figuração que John Graz encontrou seu principal meio de expressão nas artes plásticas.
Figuração que não esteve ausente dos seus projetos de arquitetura de interiores, compondo os ambientes ao lado daqueles elementos abstratos surgidos, por exemplo, nas tapeçarias de Regina Gomide. Um diálogo particularmente nacional, destaca Ana Paula. O uso da abstração combinada a pinturas representativas não é algo visto na Europa ou nos Estados Unidos, segundo a professora. Formas geométricas empregadas nas tapeçarias, ocupando espaços ao lado de pinturas figurativas trazendo a história do Brasil, retratando bandeirantes ou indígenas, são traços tipicamente nacionais e revelam os interesses da elite cultural paulistana para a qual Graz trabalhou.
Observar essas relações permite encarar, segundo Ana Paula, os paradoxos do Brasil. “Isso fala da nossa elite. É uma elite que quer um móvel moderno, mas também uma representação do seu passado”, pondera a professora. “John Graz mostra o quanto o Modernismo no Brasil é complexo e contraditório. Há uma elite que tem vontade de se modernizar, mas é muito apegada ao passado.”
A coleção recebida pelo IEB não é a primeira doação que o Instituto John Graz faz à USP. Em 2018, as bibliotecas da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) receberam algumas dezenas de livros que pertenceram ao artista. O acervo que chega agora, contudo, se destaca por tornar o IEB o maior depositário dos trabalhos de Graz.
“É muito importante destacar essa parceria entre instituições públicas e instituições privadas que têm o desafio de preservar e difundir acervos”, comenta Claudia. “Poder contar com instituições dedicadas à preservação e à pesquisa me parece fundamental, porque é muito desafiador para uma instituição de origem privada sustentar pesquisas. Seria muito interessante que o Brasil tivesse um IEB ainda maior ou mais IEBs.”
Para Ana Paula, por sua vez, a vinda do acervo é motivo de celebração. “Depois da coleção de Mário de Andrade, essa é a maior doação que recebemos para a Coleção de Artes Visuais.” A professora espera que a guarda no IEB suscite novas pesquisas de historiadores, sociólogos, arquitetos, designers e artistas virtuais, tanto da USP quanto da comunidade externa. “Isso consolida nossos acervos como laboratório de pesquisa”, destaca a professora.
John Louis Graz nasceu em Genebra, na Suíça, em 12 de abril de 1891. Desde cedo, demonstrou interesse pelas artes e teve o estímulo da família. Em 1907, começou a estudar arquitetura, decoração e desenho na Escola de Belas Artes de Genebra e, quatro anos depois, foi para a Academia de B
elas
Artes de Munique, na Alemanha, onde teve aulas de desenho publicitário e litografia. Retomaria os estudos em Genebra a partir de 1913, ano em que faz também seus primeiros cartazes e ilustrações sob encomenda.
Em 1915, ganha concursos para a produção de peças publicitárias, realizando o anúncio do novo produto da empresa francesa Rhodia no Brasil, o lança-perfume. Graças a bolsas de estudos, viaja para a Espanha, onde pinta quadros que estariam depois nas paredes do Theatro Municipal de São Paulo durante a Semana de Arte Moderna de 1922. Nesse período, atua também com gravuras e vitrais, com destaque para o trabalho feito na Église des Eaux Vives, em Genebra, em 1919.
É em sua cidade natal que conhece os brasileiros e também estudantes da Escola de Belas Artes Antonio Gomide e sua irmã, Regina, de quem ficaria noivo. Graz viria para o Brasil com os Gomide em 1920, casando-se com Regina no mesmo ano. Pouco tempo depois, começaria a se relacionar com a cena artística modernista de São Paulo.
Referências
https://jornal.usp.br/cultura/usp-recebe-doacao-de-acervo-do-artista-modernista-john-graz/